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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O temporal e o eterno

Antônio Ribeiro de Almeida
A Religião Católica: Possibilidades e Perspectivas, de Alphonse Dupront
Tradução de Henrique C. de Lima Vaz
Loyola, 1995, 96 pp.

Magnífico! Não existe outro adjetivo para qualificar este livro do historiador francês Alphonse Dupront. É de leitura obrigatória não só por parte dos católicos como dos que buscam compreender o que está acontecendo com a Igreja, não só no Brasil, como no resto do mundo após o Concilio Vaticano II. Para compreendê-lo em sua vasta riqueza é preciso que o leitor conheça um pouco a História do Ocidente desde a vinda de Jesus Cristo. Que isto, no entanto, não intimide a quem buscar uma fundamentação cultural mais sólida sobre esta instituição humana e divina, tão discutida, tão amada, odiada e, sobretudo, pouco conhecida e compreendida.
Henrique Vaz, na nota bibliográfica que escreveu para a revista Síntese, volume 22, informa que Dupront é um dos fundadores da etno-história e que seu método de abordagem é histórico-fenomenológico. Mas de que trata, afinal, este livro? Trata do temporal e do eterno, dos desafios que os tempos modernos colocaram para a Igreja; da libertação da Igreja dos poderes temporais, da descoberta do outro e da essencial necessidade do sagrado que pulsa no coração de cada ser humano. É me impossível, contudo, oferecer ao leitor uma visão total desta obra. Por isto, escolhi um pequeno tópico que se refere à crítica muito tranqüila que Dupront faz dos desvios da vida sacerdotal e que chama de "forças de secularização".
Estas forças trabalham a Igreja desde o final do século XVI e ganharam terrível velocidade após o Concílio Vaticano II quando se observou que, em nome de uma apressada modernização, que significava um banho para retirar a poeira dos séculos, quando jogou-se a água suja jogou-se também a criança que estava na bacia. Os sinais de secularização ocorrem na tendência da sociedade eclesial a se reconhecer apenas no modelo laico. O abandono do hábito, a definição das funções sacerdotais segundo o vocabulário sócio-econômico; a demissão dos bispos aos 75 anos, e, pairando e dominando tudo isto o critério do útil. Neste caso o sacerdote ou presbítero fica se questionando, desde os tempos do seminário, qual a sua utilidade e que deverá também se encaminhar para uma profissão (psicólogo é a preferida) para ser "útil" à comunidade. Nisto, como no resto, a Igreja "se conforma com o mundo". O caráter do sacerdote ter uma profissão ou que exerça escrupulosamente o seu "ofício", como se estabeleceu desde a Reforma, escreve Dupront, retira do sacerdócio o que ele tem de mais essencial: ser um sinal do Sagrado no mundo profano, disponível para ir, sem bolsa ou alforge para onde determina o Espírito. E, hoje, se o padre não for um psicólogo, um assistente social, um advogado ou um "logo" qualquer, tem questionada sua utilidade por parte dos próprios leigos. Dupront considera o sacerdote como uma das pessoas mais essenciais à sociedade humana se é ele, como de fato o é, aquele que perdoa os pecados e que sacrifica o Cordeiro de Deus nos altares do mundo. Tendo vivido na Igreja dos dois concílios posso perceber muito bem as diferenças gritantes, e, infelizmente, piores, que existem entre os velhos curas das paróquias e os padres da "nouvelle vague". Não vou me alongar nesta diferenças dolorosas. Apontarei algumas apenas. Os velhos curas sabiam muito bem o seu Latim e iam aos clássicos da Igreja; viviam nas casas paróquias que eram anexos da Igreja e estavam disponíveis a qualquer hora do dia ou da madrugada; ficavam horas e horas ouvindo os seus fiéis nas confissões individuais. E hoje?
Em resumo. Há um conflito entre o que o mundo pede ao sacerdote e o que a Igreja espera. A Igreja espera, segundo Dupront, que vivendo no século ele continue "não sendo deste mundo". Discípulo de Cristo, que ele carregue na sua cruz particular o passado da Igreja com sua tradição, desvios na história e um presente de angústias. Que ele seja, afinal, o pastor que aponta para todos nós que o reino de Deus não é uma ficção ou uma ilusão. Que a caminhada é longa mas que Cristo "venceu o mundo e a morte" e que há, portanto, certeza para nós de uma nova vida. É deste tipo de sacerdote que os católicos precisam e com o qual concordo plenamente.
Antônio Ribeiro de Almeida